FORMÇÃO INICIAL DE PROFESSORES
“não há ensino de qualidade, nem reforma educativa, nem inovação pedagógica, sem uma adequada formação de professores”(ANTÓNIO NÓVOA, 1992).
A formação de professores é temática central na pesquisa educacional por serem eles os elementos sociais centrais envolvidos na formação de outros sujeitos sociais. A atividade docente carrega as formas de produção de valores e práticas sociais, de reprodução e de resistência. Sua prática se completa no resultado das mediações e é constituída por inúmeras determinações, entre elas a formação inicial. Assim, explica-se a necessidade de refletir, questionar e debater em qual direção essa formação se justifica, e a que interesses atende. A formação inicial cumpre, basicamente, duas funções: a de formar os futuros docentes capazes de assegurar uma preparação compatível com as funções profissionais que o professor deve desempenhar, e a de fornecer um certificado para o exercício docente. De um ponto de vista mais geral, a formação de professores deve contribuir, também, para que os mesmos se formem como pessoas, compreendam sua responsabilidade no desenvolvimento da escola e adquiram uma atitude reflexiva sobre o ensino. Contudo o principal objetivo da formação inicial, entretanto, há de ser ensinar a “competência de classe ou conhecimento do oficio”, de forma que os professores sejam indivíduos capazes de ensinar.O que se discute aqui é a qualificação adequada desses indivíduos que o sistema de formação de professores não foi capaz de prover o ensino básico.
A necessidade de uma reformulação dos cursos de formação de professores não é recente. A sociedade civil brasileira, no início do processo de reorganização pós-regime militar, exigia modificações no quadro de prioridades. A pouca atenção à educação e a conseqüente precarização dos fundamentos teóricos dos cursos de formação de professores, como a fragmentação dos currículos, delineavam a inadequada formação profissional para atuar na educação básica. Em função disso, no início da década de 1980 a Associação Nacional de Formação de Profissionais de Educação – ANFOPE liderou um movimento que propunha uma discussão sobre as políticas e diretrizes estabelecidas no governo autoritário, com o intuito de formular uma concepção básica de formação de professores, mediante a indicação de uma Base Comum Nacional.
Em 1983, durante o I Encontro Nacional realizado em Belo Horizonte – MG, o Comitê Pró-Formação do Educador criado em função dos debates regionais, transformou-se em Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador – Conarcfe, cujos princípios, diretrizes e alternativas sobre reformulações curriculares colidiam com o projeto dos órgãos oficiais.
No III Encontro Nacional, em 1988, a Base Comum Nacional começa a configurar-se sobe a forma de “eixos curriculares que perpassariam todas as disciplinas e criariam campos de ação nos quais, embora fossem mantidas as especificidades de cada disciplina e de seus professores, propostas coletivas poderiam ser desenvolvidas em equipes. Os eixos curriculares permitiriam também, a seleção dos conteúdos essenciais”.[1]
Nota-se que ao longo dos anos, mais significativamente nas últimas décadas do século XX, o envolvimento de setores da sociedade, representados por organizações civis, nas discussões sobre as reformas educacionais, apontavam a formação de professores como um elemento importante para a melhoria da qualidade de ensino.
Três décadas se passaram e as instituições formadoras, em que pese a sua grande expansão, mantiveram-se surdas ao apelo da sociedade civil. Não foram capazes de introduzir nos cursos de formação um currículo articulado que permitisse ao docente, não só conhecer os conteúdos das matérias acadêmicas, mas, também, suficiente conhecimento pedagógico, ou seja, associar teoria e prática. A Secretaria de Ensino Superior – SESU, por sua vez, não arredou um milímetro do seu estado contemplativo e permitiu que fosse institucionalizado no interior dessas instituições, sobretudo das federais, um tal grau de soberania que as tornou, também, cegas ou periféricas à realidade do ensino básico, sobretudo o das redes públicas.
A hibridização dos cursos em que, de acordo com Bernadete Gatti, “(...) parte dos conteúdos específicos não se articulam com as disciplinas de cunho pedagógico e estas se apresentam com um mínimo de conteúdos no computo geral do curso,”[2], dificulta a construção de espaços específicos para a formação de professores que considere um currículo básico como aspecto fundamental, apenas estabelece um verniz superficial de formação pedagógica que não pode ser considerado como uma formação profissional adequada para atuar em escolas. Ao contrário, aponta para a formação de especialistas em áreas ou disciplinas distanciando, assim, da formação de docente para o ensino básico.
Pesquisas apontam que, no âmbito internacional, desde os princípios da década de 1980, a formação inicial de professores tem sido objeto de numerosas reformas. Tais reformas propuseram mudanças em três aspectos: o saber dos docentes, buscando incrementar sua idoneidade para enfrentar as novas demandas da sociedade do conhecimento; a cultura instrucional dos centros de formação docente, de forma a desenvolver organizações menos burocráticas e mais flexíveis; a distribuição de responsabilidades e os mecanismos de controle de desempenho. A exemplo disso, no Uruguai a formação inicial para docentes se dá em um instituto ligado à Secretaria de Educação, tendo como objetivo qualificar o professor para atuar na educação básica, para tanto é necessário que os currículos das licenciaturas não se distancia do nível de ensino onde irá atuar. No Chile, além da preocupação com a formação inicial para garantir a adequada preparação do docente, o sistema educacional passou a ser monitorado e avaliado qualitativamente por uma fundação público-privada com foco na qualidade do ensino. No Brasil, a formação inicial de docente sendo dada em universidades, em centros normais com categoria de ensino superior, em escolas normais de nível médio, em institutos profissionais, etc., vem gerando um circuito de formação diferenciada em termos de qualidade tão heterogênea quanto a diversidade dos lócus de formação.
Outra preocupação aponta para o formador. De acordo com o Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina – PREAL, “Um ponto pouco explorado no campo da pesquisa em formação docente é o conhecimento pedagógico e disciplinar dos próprios formadores”[3]. Isso indica que instala-se no âmbito da formação de formadores a mesma discussão existente em torno da necessidade de formar docentes que conheçam os conteúdos das matérias acadêmicas que ensinam, mas também tenham suficiente conhecimento pedagógico. Talvez isso possa ser um indicativo do “porque as universidades exitam tanto em fazer as mudanças necessárias nesta estrutura e na dinâmica formativa.”[4]
A educação básica no Brasil está refém da formação com qualidade e de habilitação dos seus professores. De acordo com dados do INEP mais de um milhão de professores leigos, que demandam algum tipo de formação, encontram-se atuando nesse nível de ensino. Para reverter esse quadro o Governo Federal, por meio do Decreto n. 6.755, de janeiro de 2009, instituiu a Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica e implantou o Programa Nacional de Formação de professores da Educação Básica – Parfor. Transferiu da Secretaria de Ensino Superior – SESU para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, a responsabilidade pela indução, fomento e avaliação dos cursos no âmbito do Parfor. Pelo plano, as universidades passam a oferecer licenciaturas nas modalidades presenciais e a distância: cursos de 1ª Licenciatura para professores sem graduação, de 2ª Licenciatura para licenciados atuando fora da área de formação e de Formação Pedagógica para bacharéis sem licenciatura.
O program, por si só, não garante a qualidade, visto que as instituições formadoras que integram o programa são as mesmas que, ao longo dos anos, vêm trabalhando, com todos o vícios, a formação de docentes. Há necessidade de criar mecanismos capazes de inibir os vícios e otimizar as práticas para garantir qualidade na formação, do contrário, apenas repetirá no programa o que vem sendo praticado. Desta forma, o Parfor garantirá a habilitação, mas não a formação adequada que o ensino básico.
Por fim, a formação inicial constitui um dos aspectos da formação de professores que, certamente, não definem o profissional, nem sua competência, seu sucesso ou insucesso e só haverá mudanças no ensino e na sua qualidade se houver investimento nas condições de trabalho: perspectiva na carreira, salário compatíveis com a formação e o mercado, reconhecimento social, tempo coletivo para reflexão no interior da escola, dentre outros fatores.
Palmas, 20 de novembro de 2010.
Raymundo Aires Filho
Diretor do Ensino Médio
Estado do Tocantins
A formação de professores é temática central na pesquisa educacional por serem eles os elementos sociais centrais envolvidos na formação de outros sujeitos sociais. A atividade docente carrega as formas de produção de valores e práticas sociais, de reprodução e de resistência. Sua prática se completa no resultado das mediações e é constituída por inúmeras determinações, entre elas a formação inicial. Assim, explica-se a necessidade de refletir, questionar e debater em qual direção essa formação se justifica, e a que interesses atende. A formação inicial cumpre, basicamente, duas funções: a de formar os futuros docentes capazes de assegurar uma preparação compatível com as funções profissionais que o professor deve desempenhar, e a de fornecer um certificado para o exercício docente. De um ponto de vista mais geral, a formação de professores deve contribuir, também, para que os mesmos se formem como pessoas, compreendam sua responsabilidade no desenvolvimento da escola e adquiram uma atitude reflexiva sobre o ensino. Contudo o principal objetivo da formação inicial, entretanto, há de ser ensinar a “competência de classe ou conhecimento do oficio”, de forma que os professores sejam indivíduos capazes de ensinar.O que se discute aqui é a qualificação adequada desses indivíduos que o sistema de formação de professores não foi capaz de prover o ensino básico.
A necessidade de uma reformulação dos cursos de formação de professores não é recente. A sociedade civil brasileira, no início do processo de reorganização pós-regime militar, exigia modificações no quadro de prioridades. A pouca atenção à educação e a conseqüente precarização dos fundamentos teóricos dos cursos de formação de professores, como a fragmentação dos currículos, delineavam a inadequada formação profissional para atuar na educação básica. Em função disso, no início da década de 1980 a Associação Nacional de Formação de Profissionais de Educação – ANFOPE liderou um movimento que propunha uma discussão sobre as políticas e diretrizes estabelecidas no governo autoritário, com o intuito de formular uma concepção básica de formação de professores, mediante a indicação de uma Base Comum Nacional.
Em 1983, durante o I Encontro Nacional realizado em Belo Horizonte – MG, o Comitê Pró-Formação do Educador criado em função dos debates regionais, transformou-se em Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador – Conarcfe, cujos princípios, diretrizes e alternativas sobre reformulações curriculares colidiam com o projeto dos órgãos oficiais.
No III Encontro Nacional, em 1988, a Base Comum Nacional começa a configurar-se sobe a forma de “eixos curriculares que perpassariam todas as disciplinas e criariam campos de ação nos quais, embora fossem mantidas as especificidades de cada disciplina e de seus professores, propostas coletivas poderiam ser desenvolvidas em equipes. Os eixos curriculares permitiriam também, a seleção dos conteúdos essenciais”.[1]
Nota-se que ao longo dos anos, mais significativamente nas últimas décadas do século XX, o envolvimento de setores da sociedade, representados por organizações civis, nas discussões sobre as reformas educacionais, apontavam a formação de professores como um elemento importante para a melhoria da qualidade de ensino.
Três décadas se passaram e as instituições formadoras, em que pese a sua grande expansão, mantiveram-se surdas ao apelo da sociedade civil. Não foram capazes de introduzir nos cursos de formação um currículo articulado que permitisse ao docente, não só conhecer os conteúdos das matérias acadêmicas, mas, também, suficiente conhecimento pedagógico, ou seja, associar teoria e prática. A Secretaria de Ensino Superior – SESU, por sua vez, não arredou um milímetro do seu estado contemplativo e permitiu que fosse institucionalizado no interior dessas instituições, sobretudo das federais, um tal grau de soberania que as tornou, também, cegas ou periféricas à realidade do ensino básico, sobretudo o das redes públicas.
A hibridização dos cursos em que, de acordo com Bernadete Gatti, “(...) parte dos conteúdos específicos não se articulam com as disciplinas de cunho pedagógico e estas se apresentam com um mínimo de conteúdos no computo geral do curso,”[2], dificulta a construção de espaços específicos para a formação de professores que considere um currículo básico como aspecto fundamental, apenas estabelece um verniz superficial de formação pedagógica que não pode ser considerado como uma formação profissional adequada para atuar em escolas. Ao contrário, aponta para a formação de especialistas em áreas ou disciplinas distanciando, assim, da formação de docente para o ensino básico.
Pesquisas apontam que, no âmbito internacional, desde os princípios da década de 1980, a formação inicial de professores tem sido objeto de numerosas reformas. Tais reformas propuseram mudanças em três aspectos: o saber dos docentes, buscando incrementar sua idoneidade para enfrentar as novas demandas da sociedade do conhecimento; a cultura instrucional dos centros de formação docente, de forma a desenvolver organizações menos burocráticas e mais flexíveis; a distribuição de responsabilidades e os mecanismos de controle de desempenho. A exemplo disso, no Uruguai a formação inicial para docentes se dá em um instituto ligado à Secretaria de Educação, tendo como objetivo qualificar o professor para atuar na educação básica, para tanto é necessário que os currículos das licenciaturas não se distancia do nível de ensino onde irá atuar. No Chile, além da preocupação com a formação inicial para garantir a adequada preparação do docente, o sistema educacional passou a ser monitorado e avaliado qualitativamente por uma fundação público-privada com foco na qualidade do ensino. No Brasil, a formação inicial de docente sendo dada em universidades, em centros normais com categoria de ensino superior, em escolas normais de nível médio, em institutos profissionais, etc., vem gerando um circuito de formação diferenciada em termos de qualidade tão heterogênea quanto a diversidade dos lócus de formação.
Outra preocupação aponta para o formador. De acordo com o Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina – PREAL, “Um ponto pouco explorado no campo da pesquisa em formação docente é o conhecimento pedagógico e disciplinar dos próprios formadores”[3]. Isso indica que instala-se no âmbito da formação de formadores a mesma discussão existente em torno da necessidade de formar docentes que conheçam os conteúdos das matérias acadêmicas que ensinam, mas também tenham suficiente conhecimento pedagógico. Talvez isso possa ser um indicativo do “porque as universidades exitam tanto em fazer as mudanças necessárias nesta estrutura e na dinâmica formativa.”[4]
A educação básica no Brasil está refém da formação com qualidade e de habilitação dos seus professores. De acordo com dados do INEP mais de um milhão de professores leigos, que demandam algum tipo de formação, encontram-se atuando nesse nível de ensino. Para reverter esse quadro o Governo Federal, por meio do Decreto n. 6.755, de janeiro de 2009, instituiu a Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica e implantou o Programa Nacional de Formação de professores da Educação Básica – Parfor. Transferiu da Secretaria de Ensino Superior – SESU para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, a responsabilidade pela indução, fomento e avaliação dos cursos no âmbito do Parfor. Pelo plano, as universidades passam a oferecer licenciaturas nas modalidades presenciais e a distância: cursos de 1ª Licenciatura para professores sem graduação, de 2ª Licenciatura para licenciados atuando fora da área de formação e de Formação Pedagógica para bacharéis sem licenciatura.
O program, por si só, não garante a qualidade, visto que as instituições formadoras que integram o programa são as mesmas que, ao longo dos anos, vêm trabalhando, com todos o vícios, a formação de docentes. Há necessidade de criar mecanismos capazes de inibir os vícios e otimizar as práticas para garantir qualidade na formação, do contrário, apenas repetirá no programa o que vem sendo praticado. Desta forma, o Parfor garantirá a habilitação, mas não a formação adequada que o ensino básico.
Por fim, a formação inicial constitui um dos aspectos da formação de professores que, certamente, não definem o profissional, nem sua competência, seu sucesso ou insucesso e só haverá mudanças no ensino e na sua qualidade se houver investimento nas condições de trabalho: perspectiva na carreira, salário compatíveis com a formação e o mercado, reconhecimento social, tempo coletivo para reflexão no interior da escola, dentre outros fatores.
Palmas, 20 de novembro de 2010.
Raymundo Aires Filho
Diretor do Ensino Médio
Estado do Tocantins
[1] CONARCFE. Coletânea de documentos, 1983-1988. São Paulo: Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de
Formação do Educador, 1989, p. 18
[2] GATTI, Bernadete. Educação e Filosofia, 17, jul./dez. 2003, p 245.
[3] DOCUMENTOS, Formação de Formadores: Estado da Prática – PREAL, 25, outubro de 2003, p. 28.
[4] GATTI, Bernadete. Educação e Filosofia, 17, jul./dez. 2003, p 247.
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