terça-feira, 28 de novembro de 2023

HOJE FUI SENTIR MINHA MÃE

 

HOJE FUI SENTIR MINHA MÃE

 

Sabe, há muito sentia a necessidade de uma visita, mas algumas implicações me desestimulavam: viagem, hotel ou mesmo casa de amigos. Confesso que tenho, normalmente, muita preguiça de sair de casa. Viajar então...! É um transtorno. Outro problema são os hotéis: os quartos me são impessoais, hostis, solitários, violados, violentados e com cheiro, sempre desagradável, de não sei quem. Por outro lado, não me sinto muito bem como hospede, mesmo de amigos mais próximos. Sinto-me invasor, quebro a rotina das pessoas, por mais que digam ao contrário. Reconheço que é um comportamento, até certo ponto provinciano, mas sou assim!

 

Por vários meses fui programando esse encontro, mas sempre postergando, apesar do crescente sentimento de culpa, de abandono até mesmo de desrespeito. Não era uma obrigação, mas uma vontade irresistível de renovar, de sentir e fortalecer os laços. Não deixá-los soltos no esquecimento. Sentia mais e mais a necessidade de sentir minha mãe que, de tanto tempo que passou, já não me lembrava mais.

 

Desembarquei na rodoviária de Anápolis às seis da manhã do dia 28/03/2013. Tomei um taxi e fui ao tão ansiado encontro. Ao longo do trajeto, fui me preparando. Ao chegar, não acionaria a campainha para me anunciar. Certamente não seria convidado a entrar. Tampouco seria recebido com um sorriso estampado no rosto ou com um daqueles abraços efusivos de bienvenido. Não me sentaria na cadeira da sala de estar e nem um cafezinho seria servido. Estava preparado para uma visita solitária. Ou, quando muito, em companhia da saudade acumulada durante os sessenta anos de separação.                          

 

Cheguei! A porta estava aberta e lá estava ela. O sinônimo da minha saudade. Um leve sorriso nos lábios, o mesmo de quando saiu de casa para ir ao médico e não mais voltar, se abriu pra mim.  Me senti abraçado, bem-vindo e acariciado. Sentei-me no mármore frio e me senti no seu próprio colo: agradável, macio e aconchegante, como nunca sentira antes.

 

Fiquei por alguns instantes observando moradas eternas. Flores, devaneando, fora do tempo. Isso me transmite um estranho sentimento de paz que arrefece o fogo da tristeza. O aparente silêncio que inicialmente ficou entre nós, aos poucos foi se dissipando. A brisa suave do São Miguel era um sussurro de perguntas que resistiram ao tempo, cochichadas aos nossos ouvidos. Quis falar da minha vida. Que bobagem! As mães têm sexto sentido. Sabem de tudo sobre seus filhos. Estão sempre ao lado deles não importando em qual dimensão se encontrem. Mães sentem os sentimentos que os filhos sentem. É uma relação visceral, uma simbiose que existe desde o instante primeiro e resiste à eternidade.

 

Assim passaram-se as horas e eu me sentindo bem e muito bem-vindo. Não me despedi, apenas saí prometendo não ficar mais por tanto tempo ausente. Levantei-me, estava sentado sobre a lápide um pouco enegrecida pelo tempo, nela um epitáfio simples mandado ser gravado por meu pai, no dele e em nosso nome: GRATIDÃO E SAUDADES DO ESPOSO E FILHOS. 12/09/1912  25/01/1953.

 

Acendi uma vela, mas a brisa suave do São Miguel insistiu em não deixá-la acesa, como se quisesse dizer: nessa conversa, silenciosa, não cabe testemunhas.

E saí com um até breve.

 

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial