HOJE FUI SENTIR MINHA MÃE
HOJE FUI SENTIR MINHA MÃE
Sabe, há muito sentia a necessidade de uma visita, mas algumas
implicações me desestimulavam: viagem, hotel ou mesmo casa de amigos. Confesso
que tenho, normalmente, muita preguiça de sair de casa. Viajar então...! É um
transtorno. Outro problema são os hotéis: os quartos me são impessoais, hostis,
solitários, violados, violentados e com cheiro, sempre desagradável, de não sei
quem. Por outro lado, não me sinto muito bem como hospede, mesmo de amigos mais
próximos. Sinto-me invasor, quebro a rotina das pessoas, por mais que digam ao
contrário. Reconheço que é um comportamento, até certo ponto provinciano, mas
sou assim!
Por vários meses fui programando esse encontro, mas sempre postergando,
apesar do crescente sentimento de culpa, de abandono até mesmo de desrespeito.
Não era uma obrigação, mas uma vontade irresistível de renovar, de sentir e
fortalecer os laços. Não deixá-los soltos no esquecimento. Sentia mais e mais a
necessidade de sentir minha mãe que, de tanto tempo que passou, já não me
lembrava mais.
Desembarquei na rodoviária de Anápolis às seis da manhã do dia
28/03/2013. Tomei um taxi e fui ao tão ansiado encontro. Ao longo do trajeto,
fui me preparando. Ao chegar, não acionaria a campainha para me anunciar. Certamente
não seria convidado a entrar. Tampouco seria recebido com um sorriso estampado
no rosto ou com um daqueles abraços efusivos de bienvenido. Não me sentaria na cadeira da sala de estar e nem um
cafezinho seria servido. Estava preparado para uma visita solitária. Ou, quando
muito, em companhia da saudade acumulada durante os sessenta anos de
separação.
Cheguei! A porta estava aberta e lá estava ela. O sinônimo da minha
saudade. Um leve sorriso nos lábios, o mesmo de quando saiu de casa para ir ao
médico e não mais voltar, se abriu pra mim. Me senti abraçado, bem-vindo e acariciado.
Sentei-me no mármore frio e me senti no seu próprio colo: agradável, macio e
aconchegante, como nunca sentira antes.
Fiquei por alguns instantes observando moradas eternas. Flores,
devaneando, fora do tempo. Isso me transmite um estranho sentimento de paz que
arrefece o fogo da tristeza. O aparente silêncio que inicialmente ficou entre
nós, aos poucos foi se dissipando. A brisa suave do São Miguel era um sussurro
de perguntas que resistiram ao tempo, cochichadas aos nossos ouvidos. Quis
falar da minha vida. Que bobagem! As mães têm sexto sentido. Sabem de tudo
sobre seus filhos. Estão sempre ao lado deles não importando em qual dimensão
se encontrem. Mães sentem os sentimentos que os filhos sentem. É uma relação
visceral, uma simbiose que existe desde o instante primeiro e resiste à
eternidade.
Assim passaram-se as horas e eu me sentindo bem e muito bem-vindo. Não
me despedi, apenas saí prometendo não ficar mais por tanto tempo ausente.
Levantei-me, estava sentado sobre a lápide um pouco enegrecida pelo tempo, nela
um epitáfio simples mandado ser gravado por meu pai, no dele e em nosso nome: GRATIDÃO E SAUDADES DO ESPOSO E FILHOS. ♥ 12/09/1912 † 25/01/1953.
Acendi uma vela, mas a brisa suave do São Miguel insistiu em não
deixá-la acesa, como se quisesse dizer: nessa conversa, silenciosa, não cabe
testemunhas.
E saí com um até breve.
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